Estivemos refletindo nos últimos dias sobre a questão da violência contra a mulher. E fomos do fiu-fiu ao estupro coletivo em algumas conversas que partiram de um relato bem marcante de uma profissional que passa pela seguinte situação: como tem uma função administrativa relacionada ao atendimento de construtoras, transita entre escritórios e obras diariamente e quando está nas obras é frequentemente assediada de formas que não só a constrangem como também causam-lhe temor de que algo mais invasivo ou violento venha a ocorrer com ela - note-se: em ambiente/situação de trabalho.
Com isso, temos diversas reações possíveis, portanto, desde o fiu-fiu até os casos de estupro coletivo de que se tem falado na Índia, ultimamente. Enquanto para a mulher uma barreira “natural” (inconsciente) atua para restringir-lhe o acesso ao desejo sexual associado à sua imagem, para o homem, essa barreira tem que ser construída moralmente, e lhe custa mantê-la. Tanto que às vezes, e com frequência muito maior do que a que podemos aceitar, essa barreira, ou limite, ou lei, não funciona e sucumbe ao desejo. E quando isso acontece, não nos surpreendamos com uma série de racionalizações bizarras que acompanharão o fenômeno: desde o sentimento de desprezo, passando pelo de posse legitimada pelos “sinais provocantes emitidos”, até o de “ela estava praticamente pedindo isso”. Dinâmicas perversas à parte, ativemo-nos ao desafio de dividir um pouco o quadro em possíveis desdobramentos:
1. A criação machista
A fantasia de posse, desprezo e superioridade detectada no discurso geral masculino de que nos fala o texto do Sig (idem) é sustentada e cultuada quase como regra e, notemos, só foi questionado mais apropriadamente a partir do séc XX, a partir da consolidação das reivindicações dos movimentos feministas. Antes disso, a mulher era coisificada, mesmo. Hoje, anda, nos admiramos abismados com o movimento das mulheres em alguns países do islã que buscam - votar? entrar na universidade? - não! apenas não terem mais os clitóris de suas filhas compulsoriamente mutilados, conforme o costume de suas sociedades. Portanto, não nos enganemos: há ainda muito chão para ser caminhado. Neste ponto da discussão surgiu uma grande dúvida: mas não dá para fazer nada, então? O proto-homem está aí e é um fato da “natureza” que a sociedade é machista? Não. De forma nenhuma. A linha a ser tomada, na nossa opinião, seria a de que a educação sexual na escola fosse tratada de maneira um pouco diferente, de forma que abordasse não apenas o caráter fisiológico, reprodutivo e preventivo - patologicamente falando - da sexualidade, mas também a interação de gêneros, a identidade sexual e, talvez principalmente, o reconhecimento das diferenças de expectativa (fantasia) de cada gênero, buscando, num exercício de interpessoalidade, civilizar - e esse é o termo - a expressão do desejo sexual. Utilizamos o termo civilizar, pois pensamos que o vetor de inclusão da mulher na vida civil foi o marco que mais conflitos expôs na questão da violência, pois a partir do reconhecimento da cidadã, seus direitos se legitimaram, seus problemas começaram efetivamente a serem contados e discutidos e é aí que se encontra terreno simbólico firme para que alguma mudança ocorra.
2. O problema do “padrão-periguete”
Que a sensualização da mulher é um negócio - no sentido mais comercial da palavra - não há dúvida. A venda da imagem da mulher provocante - que atiça a fantasia tanto da mulher (poderosa?) quanto do homem (gostosa/desejável?) sempre deu retorno. Mas acho que vale refletirmos um pouco mais sobre o que é isso, também sob uma dialética do desejo. Se formos graduar - se é que isso é possível - a sensualização, podemos pensar em que uma mulher vestida como periguete aproxima-se bastante da fantasia de permissividade e provocação sexual que em outros estilos feminios de se vestir é mais - ou totalmente - velada.
Ou seja, para o mundo masculino caricato, esse apelo leva à imediata sustentação no real de uma correspondência à fantasia masculina da relação sexual possível - porque sugerida - e, talvez até, quem sabe? desejada por essa mulher. Não é a roupa da mulher que vai univocamente levar a situações de maior risco de violência, pois os relatos de estupros não estão associados de maneira nenhuma a este tipo de maneira de se vestir, mas pode aumentar a confusão a ser processada pelo nosso proto-homem que, diante dos sinais que ele considera claros como de concessão ao seu desejo, não raramente acaba atravessando a fronteira do comportamento razoável ao interpretar o papel de mulher provocante com o de mulher absolutamente disponível. Vemos aqui, portanto, um outro desdobramento do conflito de fantasias entre os gêneros didaticamente representados nesta reflexão e que nos leva a pensar no desserviço que presta à feminilidade o exagero e a banalização do apelo sexual feminino, na medida em que é cultuado como padrão de beleza e que, não esqueçamos, é infligido desde cedo às crianças. Talvez estejamos exagerando, pois, afinal, muitas (tomara!) das mulheres que eventualmente nos leem agora foram entretidas com várias periguetes instituídas e travestidas de educadoras pela mídia de massa em suas infâncias e aparentemente não tiveram suas auto-imagens afetadas por essa influência. Ou tiveram?... Convenhamos que é muito marcante o quanto de insatisfação e decepção com seus próprios corpos são observadas nas conversas e depoimentos da chamada mulher moderna. De onde será que vem isso?
3. Reflexos na sexualidade feminina

Sugerimos ainda, o seguinte vídeo, para dar mais consistência ao caldo: